sábado, 14 de setembro de 2019

POVO CIGANO

Neste artigo iniciam-se estudos da problemática do povo cigano, onde se apresentará os pontos mais importantes da cultura cigana e sua via crucis pelo mundo afora, inclusive no Brasil. Correlaciona sua influência em setores importantes da nossa Pátria. Conclamam-se todos a repensarem a maneira como tratam esta etnia, que nada mais quer senão passar, isto é, ir-e-vir e estar, ao seu talante, tal como sempre fez desde que o mundo é mundo. Vamos conversar um pouco sobre a raça mais incompreendida, mais misteriosa e mais excluída de todas. Gostaria de estabelecer uma premissa para que possamos dialogar francamente, preciso de sua compreensão, solidariedade e principalmente de seu senso de justiça, para que possamos nos entender razoavelmente. Sei que é dificílimo abstrairmos certos preconceitos arraigados milenarmente em nosso coração e mente, que nos vieram de nosso antepassados e assim fazem parte de nosso arquétipo. Vamos fazer um esforço, admitamos, só por hipótese, para fim de raciocinarmos friamente, que somos alienígenas, isto é, viemos do espaço sideral e que tudo que vimos no planeta Terra é novidade para nós. Daí, veremos nos ciganos, pessoas exatamente iguais a todos os outros seres humanos. Concordemos, em princípio, que um allien veria apenas homens e mulheres sem questionamentos de qualidade e defeito inerentes aos povos deste Planeta Azul. Você topa este esforço? Se não concorda, pare por aqui, mude de assunto. Se concordar continuemos, então.

Preliminarmente leiamos o que diz o Dicionário Aurélio, Séc. XXI, p. 470 sobre o verbete cigano:  cigano. [do grego bizantino athinganos, pelo fr. tzigane ou tsigane.] S. m. 1. Indivíduo de um povo nômade, provavelmente originário da Índia e emigrado em grande parte para a Europa Central, de onde se disseminou, povo esse que tem um código ético próprio e se dedica à música, vive de artesanato, de ler a sorte, barganhar cavalos, etc. [Designam-se a si próprios rom, quando originários dos Balcãs, e manuche, quando da Europa Central.] Sin.: boêmio, gitano, calom.

Aceitando esta definição como válida podemos conversar. O Aurélio admite que este povo vem da Índia, nós podemos afirmar que é verdade. Não há mais dúvida, estudiosos historiadores, antropólogos, etnógrafos e filólogos esclareceram definitivamente: Ciganos vieram do noroeste da Índia onde hoje é o Paquistão e derramaram-se pela Europa lá pelos idos de 1300. Depois para o mundo inteiro e no Brasil também, onde hoje são trezentos mil, em avaliação conservadora, ou quase um milhão em projeções mais elásticas. Se temos este povo tão numeroso entre nós, precisamos compreendê-lo melhor. Examinemos, pois, dezesseis pontos importantes na cultura cigana. Ficaremos admirados de saber que desconhecíamos quase tudo sobre eles. Seguiremos um círculo, porque, simbolicamente representa a roda, que nos traz a imagem de uma carroça, eis que a vida cigana é um eterno ir e vir sobre rodas.
Leiam e meditem sobre o epigrama no 7, de Cecília Meireles:

A tua raça de aventura/ quis  a terra, o céu, o mar./ Na minha, há uma delícia obscura/ em não querer, em não ganhar.../ A tua raça quer partir,/ guerrear, sofrer, vencer, voltar./ A minha, não quer ir nem vir./ A minha raça quer passar//

O POVO
Todos os povos têm seus ícones, sua religiosidade, suas crenças, e os ciganos também têm, por isso hoje vamos escrever sobre a religiosidade dos ciganos. Para entendê-los melhor, vamos recuar no tempo até 2000 anos e tanto, até Nosso Salvador, Jesus. Desde já estabeleçamos que a religiosidade cigana é incontestável. Creem em Deus (Devel) e na entidade do mal (Beng). Fazem grandes peregrinações em 24/25 de maio a Saintes-maries-de-la-mer (França), em honra à santa Sara, onde promovem a slava a festa da Santa. No Brasil são devotos de N. Sra. Aparecida, se forem católicos. Ressaltamos que os ciganos adotam a religião do país que os acolhe. No Brasil temos ciganos católicos, evangélicos; testemunhas de Jeová, protestantes, espíritas, adventistas, umbandistas e outras. E os ciganos são sinceros na crença que adotam.

Sara, diz a lenda, era serva egípcia de Maria Jacob e Maria Salomé, tias de Jesus, que se crê terem sido levadas miraculosamente para as margens do Ródano, poucos anos depois da crucificação. Só nos meados do século XIX a presença dos ciganos entre outros peregrinos foi notada em Les-Saintes-Maries e, muito mais recentemente que começaram a dominar o primeiro dos dois dias (24 e 25 de maio).

Está em livro, cujo título é O segredo do código, [da Vinci], editado por Dan Burstein, Sextante, 2004, pp.47/48:

“São muitas as lendas que dizem ter Maria Madalena viajado à França (ou Gália na época) depois da crucificação de Jesus, acompanhada de um variado grupo de pessoas que inclui uma jovem serva negra chamada Sara, Maria Salomé e Maria Jacobina — supostamente tias de Jesus — além de José de Arimateia, o rico proprietário do sepulcro onde Jesus foi colocado antes da ressurreição, e são Maximino, um dos setenta e dois discípulos mais próximos de Jesus e primeiro bispo de Provença. Embora os detalhes da narrativa variem de versão para versão, parece que Madalena e seu séquito foram obrigados a fugir da Palestina em condições mais que precárias [...] Reza a lenda que eles desembarcaram (sem dúvida muito agradecidos, depois de vagarem por águas salgadas durante semanas) no que hoje é a cidade de Saintes-maries-de-la-mer, nas terras úmidas da Camargue, onde o Ródano deságua no Mediterrâneo. As três Marias — Maria Madalena, Maria Jacobina e Maria Salomé — são objeto de grande veneração na igreja que se ergue dos charcos circundantes como uma imponente vela de navio, ao passo que na cripta há um altar dedicado a Sara, a egípcia, a pequena serva negra de Maria Madalena, hoje a adorada santa padroeira dos ciganos que afluem à cidade no feriado de 25 de maio, quando milhares de fieis devotados conduzem a estátua de Sara até o mar, para sua imersão cerimonial. O fato de a tradição medieval considerar os ciganos originários do Egito — egypsies — confere sentido à sua veneração da menina egípcia Sara...”

As lendas têm muitas versões por isso são lendas ficamos com uma adaptação que seria a seguinte: Maria Madalena era o cálice sagrado (Santo Graal), porque trazia em seu ventre o sangue real, a semente de Jesus. Ela teria passado alguns anos em Alexandria, no Egito e Sara seria sua filha e de Jesus, constituindo-se na linhagem sagrada. Maria Madalena por motivo desconhecido (perseguição talvez), fugiu para a Gália, com Sara e José de Arimateia. Lá foram acolhidos pelos ciganos. Sara é venerada pelos ciganos, até porque Madalena, sua mãe, também é conhecida por Madalena Egipcíaca. Isto faz sentido, os ciganos seriam os verdadeiros guardiões da linhagem sagrada através de veneração à Santa Sara. Curioso é o fato de que a Igreja (católica) não considera Sara como santa em sua hagiografia. Por quê? Que nos respondam os que sabem! Sara seria, portanto, para nós a Santa das Santas e os ciganos seus filhos diletos. Que bom!!!

Encontramos em livro muito badalado, elogiado e criticado, texto que nos conta algo que até agora desconhecíamos sobre o Mestre. Está no livro O código da Vinci, de Dan Brown, editora Sextante, 2004. À página 272, extraímos este diálogo entre os três personagens principais: Langdon, Teabing e Shofie:

O importante aqui — disse Langdon, voltando à estante — é que todos estes livros apoiam a mesma premissa histórica.
— Que Jesus foi pai — Sophie ainda estava insegura.
É — disse Teabing. — E que Maria Madalena foi o ventre que transmitiu sua linhagem sagrada. O Priorado de Sião, até hoje, ainda venera Maria Madalena como a Deusa, o Santo Graal, a Rosa e a Divina Mãe.
Sophie voltou a visualizar rapidamente o ritual do porão.
— De acordo com o Priorado — continuou Teabing — , Maria Madalena estava grávida quando Jesus foi crucificado. Para segurança do filho ainda não nascido de Cristo, ela não teve escolha senão fugir da Terra Santa. Com ajuda do tio em que Jesus tinha grande confiança, José de Arimateia, Maria Madalena secretamente viajou para a França, que na época era conhecida como Gália. Ali encontrou refúgio seguro na comunidade judaica. Foi na França que deu à luz uma filha. O nome dela era Sara....


A língua dos ciganos

A liri es ye crayi micobó a liri es calé = A  lei dos reis tem destruído a lei dos ciganos.

Fincando pé na nossa ideia do círculo (nós o escolhemos porque ele é o símbolo da roda e dos ciganos no seu eterno devir). O círculo de dezesseis raios é evidência maior desse povo é símbolo da sua bandeira. Sua língua, o romani, salvo melhor juízo é o amálgama, o traço de união entre os ciganos. No mundo inteiro, estejam onde estiverem, no Brasil ou na Austrália, na África ou na Ásia, os ciganos se entendem através do romani. Este modo de falar se derivou do velho sânscrito e vem ao longo de mil anos recebendo contribuições de todas as línguas por onde este povo passa algum tempo.

Os dialetos ciganos podem ser agrupados assim: Sintos — na Europa ocidental, com grande influência da língua alemã; Vlax (ou danubianos) — presentes em toda Europa, América, Austrália e sul da África; Balcânicos — recebendo influência eslava e turca. Subgrupo Calom, na Espanha e Portugal. É uma língua ágrafa, i.é., não tem símbolos para que se escreva. Daí os estudiosos fazem aproximações e analogias. Todavia, é esta língua ágrafa que possibilita a manutenção dessa gente unida e evita sua absorção pelos outros povos com os quais convivem. Não é incomum a existência de línguas ágrafas. Os índios brasileiros são exemplos disso. Centenas de outras etnias são também ágrafas. Poucos não-ciganos dominam este idioma, mesmo porque os ciganos fazem questão de não transmitir sua língua para os gadjês (não-ciganos).

A seguir daremos alguns provérbios ciganos em sua língua e depois traduzidos para o vernáculo. Vortako tribulame, ane kelimast, ano nasfalimós, ano tiorrimós tai ane marthia = O amigo é para alegria, brincadeira, doença, miséria e morte. May misthto les o thud katar i gurumni kai tordjol = É fácil tirar leite da vaca que fica quieta. Bibaxt prejéal the nani yov avel = Azares e má sorte afastem-se e não voltem mais! O chavorro na biandola dandencar = A criança não nasce com dentes.

CIGANOS EM SOBRADOS E MOCAMBOS

O sociólogo Gilberto Freyre em seu livro Sobrados e mocambos, 3 vol., José Olympio Editora, 1951, por diversas vezes referiu-se aos ciganos e em nenhuma delas foi benevolente, pelo contrário culpou-os de muitos males. (Ver pp. 141, 158, 165, 173, 201, 202, 203, 477, 490, n.134, 491, 631, n.37, 790, 792, 823, n. 76, 77, 78).

Como exemplo: na análise das construções no Rio de Janeiro, ele registra a insalubridade decorrente dos defeitos de construção assim: “Daí o brado do higienista como Corrêa de Azevedo contra a indiferença das câmaras municipais. As câmaras municipais cruzavam os braços diante da comercialização criminosa da arquitetura pela economia privada, tão ansiosa de lucros exagerados com a construção de sobrados como com a importação de africanos, mesmo doentes (134). ‘Ela’ — dizia Corrêa de Azevedo referindo-se à Câmara do Rio de Janeiro imperial — ‘não diz ao construtor de casas que exibia documentos de sua capacidade não exige garantias de inteligência e boa fé daqueles que edificam, não se ocupa do risco interno, nem da luz e ventilação das habitações...’ Paremos aqui, porque o autor nos remete então à nota (134, acima epigrafada) Vamos a ela que nos interessa. Está às pp. 490-1 de Sobrados  e mocambos, repetimos.

(134) Parece que em nenhum ponto o interesse privado, cruamente representado no Brasil de economia escravocrata pelo importador de negros, chocou-se mais violentamente com o interesse público, representado principalmente pela higiene urbana, do que neste: a importação de negros doentes. Desembarcados dos negreiros, eram de ordinário as cidades como Salvador, Rio de Janeiro, Recife, os pontos mais perigosamente contaminados por eles que também ofendiam a moral europeia ou o pudor cristão da burguesia ou da fidalguia dos sobrados, andando nus ou quase nus pelas ruas; fazendo das cidades brasileiras, aldeias africanas. Aos ciganos ou gringos, quase sempre encarregados de administrarem esse comércio de homens escravos, pouco incomodava a ofensa que a nudez dos negros causasse ao moradore cristão dos burgos por onde se fazia a importação de operários para as indústrias e de trabalhadores para as lavouras do Brasil. Donde as reclamações que, ainda nos últimos tempos do Brasil-Reino, foram aparecendo nos jornais {Esta é do Diário do Rio de Janeiro de 21 de março de 1822], contra o escândalo: ‘roga-se a alguns dos Senhores Negociantes de escravos da rua do Valongo queiram ter a bondade de vestirem os escravos que desembarcam para os armazéns; pois é inteiramente indecoroso em uma Corte civilizada andarem pelas ruas públicas indivíduos de um e outro sexo nus e outros quase nus, com tanta ofensa da modéstia e escândalo das famílias que tem a infelicidade de morarem naquela rua ... Mas ao problema moral da nudez juntava-se o da doença, comum como era a importação ou a venda de negros doentes, alguns dos quais os ciganos tratavam de fazer passar por bons e válidos aos olhos dos compradores menos meticulosos ou menos perspicazes...’
Não aceitamos as observações do grande Gilberto Freyre, onde se lê ciganos, leiam-se portugueses, brasileiros e judeus. Ou se se quiser omitir a etnia/raça, cite-se as ocupações: negociantes, tratantes, comissários, consignatários, intermediários, mascates, comboieiros, tropeiros etc.

O Almanak Laemmert nas várias edições publica listas desses intermediários e sempre são portugueses e brasileiros. Pelo menos são nomes tipicamente nossos. Ex.: 1852, p 468. Negociantes de escravos ladinos: Custódio José de Magalhães Bastos, Joaquim Antônio Bastos, Manoel José Pereira Guimarães e outros. Escritórios e Casas de Consignação de Compra e Venda de Escravos: Godinho & Cia., José Antônio dos Santos Araújo, José Jacintho de Almeida, Victor Lúcio Vieira e outros. Chega?


Não sou dessas bandas; / Não nasci aqui.
A roda da fortuna girando, girando, / Trouxe-me para aqui.

Assim é o povo cigano